"EU TENHO UM SONHO"
É muito difícil escrever sobre essa sociedade doentia dos dias de hoje. Mais de sete bilhões de pessoas no mundo que ainda não aprenderam a se respeitar, que não aprenderam a se amar. Parece-me, que quanto mais o tempo passa, mais a humanidade tende a se segregar, a estabelecer diferenças e a se odiar. Não é desse tipo de sociedade que eu quero fazer parte, eu não aceito que depois de anos de história desse mundo, depois de tantas guerras, depois de tantas vitórias sobre o mal, eu e talvez meus futuros filhos e netos ainda sejam obrigados a viver com tantos absurdos. Nós estudamos história, e sempre temos a vã impressão de que o que passou ficou para trás, que hoje vivemos o ápice do desenvolvimento. Sim, a globalização se desenvolveu, a tecnologia então, os meios de comunicação também. Mas o desenvolvimento humano parou no tempo. Aqui, somos todos meio-irmãos, a matéria orgânica que constitui meu corpo, é a mesmo de sete bilhões de pessoas, graças a Deus. É triste perceber as desigualdades nesse mundo, é nessas horas que o ignorante é feliz. Parece que há um verme enorme nessa sociedade, que se alimenta de mazelas.
No dia 28 de agosto do ano de 1963, nos degraus do Lincoln Memorial em Washington, capital dos Estados Unidos da América, o pastor e ativista Martin Luther King, proferia seu famoso discurso "I Have a Dream" para um enorme público, que delirava com as palavras do líder, e assim como ele, tinham um sonho. 52 anos depois, nós que aqui estamos, ainda sonhamos com isso. É claro, muitas barreiras da segregação racial já foram ultrapassadas, hoje o negro tem muito mais voz, liberdade e direitos do que há 50 anos, e eu devo isso aos bravos homens e mulheres que lutaram. Mas ainda assim, existe um fundo abismo entre, principalmente, brancos e negros na nossa sociedade. Eu falo isso, mas sou branca, eu sou ciente apenas da ponta desse iceberg, eu nunca senti na pele as diferenças, eu nunca sofri, quando criança, pelo cabelo ser diferente, ninguém nunca olhou torto pra mim, quando algo sumia em algum lugar, não era para mim que as pessoas olhavam desconfiadas, eu nunca fui barrada de entrar em um lugar pela cor da minha pele, eu nunca me senti não representada pela mídia, eu nunca sofri com piada racista, eu nunca sofri violência de determinados grupos segregacionistas, eu nunca tive que me explicar porque uso cotas. Eu poderia passar o resto do dia discorrendo sobre as inúmeras espécies de desigualdades que são impostas. Entre elas, vale citar também a luta que é o direito sexual de cada indivíduo. Caro leitor, eu como mulher branca, cis, hétero, cristã e defensora dos direitos humanos, a cada dia fico mais enojada que o direito que alguns indivíduos pensam que têm de interferir nas escolhas pessoais de cada um, eu nunca vi um povo tão preocupado em decidir o que é bom e o que é ruim na vida dos outros, em decidir qual o tipo de felicidade certa, em apontar o dedo pra cara do outro e menosprezar sua existência. O livre-arbítrio está aí para ser vivido, você é hétero-cis e é feliz sendo assim, deixa quem é diferente ser feliz também. Essa sociedade é muito egoísta e nojenta! Cospem suas hipocrisias disfarçadas de discurso santo, usam o nome de Deus para deslegitimar a felicidade alheia! Deus quer pessoas que amem, e não que distribuam ódio. Por fim, gostaria de deixar claro aqui o quanto me entristece esse país tão cego e tão machista. Falo isso, porque no que tange respeito o patriarcado e o machismo vigente, eu vivencio diariamente. Vivencio e tenho medo das crianças no futuro que vivenciarão também. Acho que os homens, por não terem uma buceta e um útero, não têm noção do quanto dói a mulher se sentir diminuída PELO FATO DE SER MULHER. O quanto é horrível você não se sentir dona do seu corpo, o Estado que mandar, o marido quer mandar, o pai quer mandar, a igreja quer mandar, só quem não manda no próprio corpo é a própria mulher! Cansei, sinceramente, cansei! Cansei de sair na rua com medo de ser assediada e/ou estuprada, de alguém meter a mão debaixo da minha saia, ou passar a mão e apalpar meus seios (como já aconteceu, eu tinha 12 anos), cansei de ouvir falar de mulheres mortas pelo ciúme dos parceiros, cansei de ouvir falar de mulher que sofrem violência psicológica no trabalho ou em casa, cansei da indústria cultural estabelecer o que cada mulher deve fazer com seu corpo e estabelecendo padrões de como agir, cansei da mulher ser vista como dona de casa, cuidadora dos filho, objeto sexual! Cansei de ver mulher sendo julgada porque prefere trabalhar do que ter filhos, cansei de ver mulher ganhando muito menos do que homem com o mesmo cargo e mesmo grau de instrução. E cansei, principalmente, e ver pessoas que ainda subestimam a luta feminina, que caçoam , falam que é falta de "rola", falta de pratos para lavar. Eu não quero ser obrigada a ouvir isso. Muito menos dentro de casa, como venho ouvindo. Dizem que os piores cegos são aqueles que não querem ver, e isso é verdade. No livro do escritor José Saramago, "Ensaio Sobre a Cegueira", é notável o quanto nós seres humanos somos um lixo. Somos todos a mesma coisa. Uma sociedade corrupta, preconceituosa, violenta, cheia de diferenças. No entanto, basta-nos perder a capacidade de nos enxergar e de enxergar ao outro, que percebemos como somos vulneráveis, como somos todos um, um bando de nada. Porém, a cegueira a qual me refiro. é a daqueles que veem o mundo de preconceitos e desigualdades e prefere fechar os olhos para isso ou então, negar que existam, lutam contra o fim da desigualdade. Mas não podemos abaixar a cabeça, a luta está aí para ser vencida, enquanto muitos ladram, a nossa força aumenta, enquanto muitos nos diminuem, nós nos unimos cada vez mais. Lutaremos juntos, o negro, o gay, o trans, o oprimido, a mulher, o pobre, um dia veremos raiar a esperança e a justiça sobre os homens. Eu tenho um sonho...
